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It's Not Me (2024) - Crítica

 "It’s Not Me": Leos Carax em uma Viagem Cinemática de Autodescoberta e Reflexão

No mais recente trabalho de Leos Carax, It’s Not Me (2024), o cineasta francês se embarca em uma exploração pessoal e cinematográfica, utilizando o formato de um ensaio visual para refletir sobre sua carreira, a arte do cinema e o legado das gerações passadas de cineastas. A obra é uma meditação sobre a imagem cinematográfica, sua evolução e o impacto das novas formas de fazer filmes no mundo contemporâneo, e, embora o projeto tenha sido inicialmente concebido para uma exposição no Centre Pompidou de Paris, ele se transforma em um testemunho da autocrítica de Carax e de suas influências, desafiando suas próprias ideias sobre o cinema, sua história e seu futuro.

A Estrutura do Filme: Uma Viagem de Autodescoberta

A premissa de It’s Not Me é simples, mas instigante: o questionamento "Onde você está, Leos Carax?" é o ponto de partida para um mergulho introspectivo do cineasta sobre sua vida e carreira. Carax, cuja identidade profissional já é um enigma – seu nome é um anagrama de seu verdadeiro nome, Alex Oscar – tenta decifrar a si mesmo por meio de uma montagem fragmentada de imagens, trechos de filmes e filmagens pessoais. O uso de imagens de arquivo, como fotos de família, vídeos caseiros e recortes de jornais, se mistura com imagens de suas próprias produções, criando uma espécie de tapeçaria visual que revela uma conexão íntima entre seu passado e o presente.

A decisão de Carax de mesclar momentos da sua infância, referências culturais e suas influências cinematográficas, como Tintin e David Bowie, ao lado de reflexões mais amplas sobre a natureza da imagem cinematográfica na era moderna, cria uma jornada que flui com sonhos e associações livres. No entanto, apesar do tom contemplativo e da abordagem poética, o filme nunca chega a capturar totalmente a intensidade provocadora que é um marco do estilo de cineastas como Jean-Luc Godard, cujas influências são visíveis aqui.

A Influência de Godard e a Comparação com "The Image Book"

Para qualquer observador atento, a influência de Jean-Luc Godard é palpável ao longo de It’s Not Me, especialmente quando consideramos o estilo de edição e os recursos visuais, como letras sobrepostas e cortes abruptos que lembram o cineasta suíço-francês. A semelhança com o trabalho tardio de Godard, em particular o filme de 2018 The Image Book, não é apenas estética, mas também no tema de lamento pela morte do cinema tradicional. Ambos os filmes lidam com a saturação das imagens na era digital e a perda da energia vital que Carax lamenta no seu próprio filme, associando a transição de mídias analógicas para digitais à morte de uma era de cinema mais divino e impactante.

Entretanto, enquanto Godard procurava revitalizar a imagem com choques visuais e um estilo que forçava o público a confrontar a desconstrução da imagem, It’s Not Me adota uma abordagem mais suave e sonhadora. O movimento de câmera mais fluido, a transição menos perturbadora entre os temas e as imagens permitem que o espectador se perca em uma experiência menos vertiginosa, mas ainda assim desconectada. Carax, ao contrário de Godard, opta por uma linha narrativa mais linear, sem a força de choque que fez do cineasta francês uma figura de referência na revolução da imagem cinematográfica.

Reflexões Pessoais e Imagens do Passado

Uma das características mais fascinantes de It’s Not Me é o uso de materiais pessoais, como fotos de infância e imagens caseiras, para refletir sobre a formação de Carax enquanto cineasta. Ao projetar cenas de seus próprios filmes, como Mauvais Sang e Holy Motors, Carax busca revisitar o processo criativo que moldou sua carreira e as referências visuais que o impactaram. Há uma reflexão sobre a interseção entre sua infância e sua vida adulta e como certos elementos de sua obra parecem conversar com as influências de sua juventude, como os filmes de Roman Polanski.

A reflexão sobre Roman Polanski, que aparece sobreposto a imagens de seus próprios filmes, é uma das mais intrigantes do filme. Carax aponta semelhanças e diferenças entre eles, permitindo que a comparação se desenvolva sem respostas definitivas, apenas deixando o espectador com uma sensação de que a associação entre os dois cineastas é inevitável e profundamente enraizada nas imagens que ambos criaram. Contudo, a falta de uma exploração mais profunda dessas questões impede que o filme realmente agite o espectador de uma maneira mais visceral, como se o questionamento fosse deixado sem a urgência necessária para transformar o ensaio em algo mais imersivo.

O Estilo de Carax: Uma Reflexão que Se Move Rápido

Uma das principais críticas a It’s Not Me é sua rapidez em passar de um assunto para outro. Cada segmento, por mais instigante que seja, parece deixar o espectador ansioso por mais profundidade, mas Carax rapidamente transita para a próxima ideia ou imagem. Isso é justificado pelo próprio filme por meio da metáfora de Carax dormindo e escrevendo durante o sono, o que posiciona o trabalho como um reflexo subconsciente e fluido, talvez até desconectado da realidade.

Essa abordagem rápida e fragmentada pode ser vista como uma tentativa de Carax de refletir a natureza dissociada de suas próprias memórias e do cinema contemporâneo, que se tornou fragmentado e veloz, sem o tempo necessário para digestão ou ruminação profunda. No entanto, a rapidez do filme também impede que ele se aprofunde em discussões mais impactantes ou ofereça novas revelações sobre a carreira do cineasta ou sua filosofia cinematográfica.

A Performance de Carax e o Papel de Denis Lavant

Outro ponto de destaque é a presença de Denis Lavant, colaborador de longa data de Carax, que aparece em vários momentos do filme. Lavant, conhecido por suas performances intensas e multifacetadas, é uma figura recorrente na obra de Carax e sua presença fantasmal aqui também serve como um elo entre o passado e o presente. Porém, a atuação de Lavant não é explorada de forma tão contundente quanto em seus outros trabalhos com Carax, o que reflete a natureza dispersa do filme.

A presença de Carax, que narra sua própria história e interage com as imagens que ele mesmo criou, faz com que ele seja o verdadeiro protagonista dessa caminhada introspectiva. O cineasta, com sua voz rouca e uma aura de cansaço, torna-se um observador do próprio processo criativo, mas também um espectador passivo de suas próprias escolhas e influências.

Reflexões Instigantes, Mas Superficiais

Em última análise, It’s Not Me é uma obra instigante, mas que nunca atinge a profundidade emocional ou a provocação filosófica de outros projetos de Carax ou de seu mestre Godard. Embora a montagem de Carax seja uma colagem fascinante de imagens e temas, o filme nunca se arrisca o suficiente para se tornar uma exploração transformadora. Ele oferece uma reflexão interessante sobre o cinema e sobre o próprio Carax, mas também deixa uma sensação de que não foi suficientemente profundo. Ao mesmo tempo, é um belo exemplo do poder do cinema como uma forma de autodescoberta e reflexão artística.

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