Te Prego Lá Fora - Porta dos Fundos (2021) - Crítica

Te Prego Lá Fora é um especial de fim de ano do Porta dos Fundos. Na história, Jesus Cristo é um semi-deus que não consegue controlar seus poderes, além disso ele mora na barra pesada da Galiléia do ano 13 d.C, o que não facilita muita coisa. Ele entra para a escola, onde encontra alguns amigos e tem que enfrentar o diretor Herodes. Mas, como é uma pessoa com poderes especiais e sem conseguir controlá-los, Jesus pode ser crucificado a qualquer momento. Por isso, o Messias precisa ser tudo o que não é para ser descoberto por Herodes: ser um babaca na escola até o dia do baile da escola. 

Te Prego Lá Fora, a animação natalina da trupe para 2021, acabou sendo o melhor Especial de Natal que já produziram, e mesmo que isso não signifique muita coisa, traz pelo menos um respiro na abordagem que estão acostumados a fazer diante de temas religiosos. O roteiro traz Jesus chegando com sua mãe a uma outra cidade (a trama se passa na Galileia, em 14 d.C.) e logo descobrimos que essa mudança se deve ao fato de que Jesus não conseguiu se dar muito bem na escola em que estava matriculado até então. A abordagem geral, portanto, é essencialmente diferente dos outros Especiais natalinos do Porta, pois coloca o ambiente escolar (as referências a Malhação são ótimas) como destaque, não gastando tanto tempo forçando piadas apenas para chocar.

Especiais funcionam no início da projeção, mas rapidamente perdem a graça ou parecem estar ali apenas para constar como mais uma heresia proposital na lista. Acredito, inclusive, que o grupo notou isso, tanto que alteraram o gênero de exposição — a mudança de live-action para animação já ajudou a dar uma reformulada — e conseguiram encontrar um ambiente onde diversas histórias menores podem acontecer, orbitando a vida do protagonista, de modo que Jesus pode dividir elementos cômicos com outros personagens de maneira mais interessante, dando a oportunidade de o espectador respirar um pouco, saindo da mesma batida na tecla.

Na história existe o adolescente Jesus tentando se enturmar na escola nova (Escola Municipal Eva & Adão) e sendo corrompido por maus conselhos e más companhias é um tema muito bom. Acredito que se o puro escracho não fosse a verdadeira intenção do Porta, a brincadeira poderia ter um resultado ainda melhor, de uma reflexão sobre esse tipo de comportamento que acontece com a maioria dos adolescentes. Deitar fora algo de si para poder se enturmar, fazer coisas que não são parte de sua identidade para esconder algo considerado perigoso ou que não é bem aceito por aquele grupo social são problemas que temos aos montes em nossos dias e uma excelente ligação entre esses comportamentos poderia ser feita aqui. Isoladamente, algumas piadas são ótimas e temos momentos de ironia e cinismo ligando-se às fake news contemporâneas (“pergaminho da família“!) + brincadeira com polêmicas antigas e requentadas pelos tais “liberais na economia e conservadores nos costumes” que atingem o alvo em cheio e formam a melhor parte da ‘zuera‘ do episódio.

A dublagem e a animação tem bons méritos técnicos. Diversas Cenas com planos mais abertos e ações de segundo ou terceiro plano não receberam um bom cuidado, mas nada que atrapalhe a apreciação da obra. Vale destacar igualmente o trabalho de caracterização dos personagens e as piscadelas para Nemo, Dori e um quase-Carrie, a Estranha no final, com extermínio à la “pragas do Egito” que me arrancou boas risadas. Mesmo faltando melhor desenvolvimento da história e de seus personagens centrais, Te Prego Lá Fora conseguiu emular a fórmula dos “filmes de Colégio” hollywoodianos e tornou um pouco mais fluída a presença de críticas, piadas infames e abordagens heréticas no filme. A grande questão é que essa linha de estrutura dramática já saturou, o que vai exigir bastante criatividade e um olhar mais cuidadoso do Porta dos Fundos em Especiais vindouros para que não siga no atoleiro de repetir a fórmula sacana a todo custo, ano após ano.

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