Batman: Year One é um dos textos fundamentais que influencia profundamente a cidade fictícia de Gotham e as publicações sob o selo DC. Criado por Frank Miller, David Mazzucchelli e Richmond Lewis, a minissérie de quatro edições recontou a origem de Batman após o primeiro Crisis e a reformulação do universo da DC em 1985. Mais do que apenas uma nova versão, a história estabeleceu a interpretação moderna de personagens como Jim Gordon, Selina Kyle e a natureza criminosa de Gotham. A sombra dessa obra ainda paira sobre as histórias de Batman até hoje, como pode ser visto na edição deste mês da série principal.
Em Batman #155, escrito por Chip Zdarsky, com arte de Jorge Fornés, cores de Tomeu Morey e letras de Clayton Cowles, a história foca no retorno da trama final da fase de Zdarsky, com um destaque especial para Jim Gordon. A maior parte dessa edição aborda o contexto recente de Gordon, que agora é investigador privado e solteiro. Sua insatisfação com o trabalho, investigando fraudes de seguros e adultério (uma ironia que antecipa os eventos), é um dos principais motores da narrativa.
A escrita de Zdarsky para Gordon e a maneira como ele explora o descontentamento do personagem são o alicerce sólido da edição. Ao desenhar a interioridade de Gordon de forma a refletir seu desejo de retornar ao posto de Comissário do GCPD, o autor faz uma conexão direta com um segmento específico do público. Gordon é frequentemente visto como o único homem "justo" de Gotham, e a história permite ao leitor se colocar no lugar dele, criando empatia com esse personagem tradicionalmente virtuoso.
Porém, Zdarsky desmonta essas expectativas de maneira igualmente eficiente. Ao invés de seguir a linha do policial virtuoso, Gordon assume um papel de adultério e destruidor de lares quando é contratado por Koyuki Nakano, esposa do recente vítima de assassinato, o Prefeito Nakano. Koyuki havia contratado Gordon para investigar se seu marido estava envolvido em um caso extraconjugal, suspeitando de atividades ilícitas. Gordon logo percebe que o único foco de Nakano é o trabalho, um comportamento com o qual ele se identifica e tenta transmitir a Koyuki.
Ao longo de algumas semanas, a relação de Gordon com Koyuki começa de forma amigável, mas rapidamente se transforma em um romance extraconjugal. Gordon impede uma tentativa de sequestro de Koyuki, e o incidente acelera a transformação da amizade em um relacionamento mais profundo. Juntos, eles planejam fugir com o filho de Nakano, escapando de Gotham e de sua corrupção. O prefeito Nakano, porém, descobre tudo através de Leonid Kull, um homem com conexões tanto com os mais altos postos de Gotham quanto com o Court of Owls. O encontro entre Nakano e Gordon se torna inevitável, culminando em um assassinato central para esta trama. Como todo bom quadrinho de Batman, o enredo inclui pistas falsas, tecnologia de vilões e memórias distorcidas.
A escolha de Jorge Fornés para assumir a arte da edição, no lugar de Jorge Jiménez, é uma decisão deliberada e inspirada. O estilo de Fornés evoca a linguagem visual e a narrativa de Year One, com traços limpos e simples que capturam a essência de David Mazzucchelli. A arte, com uma abordagem contida, reflete uma história de paixão trágica. Desde as ruas chuvosas de Gotham até seus pontos de beleza, a arte dialoga diretamente com a origem pós-Crisis de Batman, especialmente na forma como o uniforme do Batman é retratado. Fornés opta por um design em que a parte superior do traje do Batman lembra um suéter, com as mangas caneladas sob as luvas, conferindo uma estética mais humana e realista ao personagem.
Em resumo, Batman #155 não só revisita e reinterpreta a figura de Jim Gordon, como também faz uma homenagem visual e narrativa a Batman: Year One. A história apresenta um Gordon mais complexo, falível e humano, afastando-se da figura de herói infalível para explorar suas imperfeições e dilemas pessoais. A arte de Fornés e a escrita de Zdarsky criam uma narrativa que se conecta diretamente com a tradição das histórias de Batman, enquanto traz novos elementos que expandem a mitologia do personagem.