Witches (2024) - Crítica

 "Witches": Uma Reflexão Poderosa Sobre Saúde Mental, Gênero e Expectativas Sociais

Em "Witches", a cineasta e documentarista Elizabeth Sankey combina uma abordagem profundamente pessoal com uma crítica apaixonada e política sobre o impacto das expectativas sociais e culturais sobre as mulheres. Através de sua própria experiência com psicose pós-parto, Sankey propõe uma reflexão complexa sobre como a saúde mental feminina tem sido tratada ao longo da história, relacionando-a com a figura da bruxa, muitas vezes usada para rotular e marginalizar mulheres que fogem dos padrões estabelecidos pela sociedade patriarcal. Combinando narrativa pessoal com uma análise cultural e histórica, o filme traz à tona questões de culpa, vergonha e as pressões impossíveis que as mulheres enfrentam, especialmente ao se tornarem mães.

A Política do Pessoal: A Luta Contra Expectativas Impossíveis

A célebre frase "o pessoal é político", que tem sido um lema do movimento feminista desde os anos 1960, é a base sobre a qual "Witches" se estrutura. Sankey usa sua própria história para ilustrar as consequências dessa expectativa irreal de perfeição imposta às mulheres, especialmente em sua jornada de maternidade. A filmagem entrelaça sua experiência pessoal com um comentário profundo sobre a pressão da sociedade para que as mulheres sejam perfeitas mães, sem espaço para falhas ou dificuldades.

A Figura da Bruxa e a Saúde Mental Feminina

Ao explorar o conceito de bruxas, Sankey faz uma conexão intrigante entre o medo e a repressão das mulheres ao longo da história e os distúrbios mentais enfrentados pelas mulheres hoje. Ela examina como as mulheres acusadas de feitiçaria muitas vezes estavam à mercê de diagnósticos incorretos e de pressões sociais e culturais que as deslegitimavam. Sankey cita exemplos históricos, como as caças às bruxas na Inglaterra entre os séculos XV e XVIII, sugerindo que algumas dessas mulheres poderiam estar sofrendo de uma forma primitiva de psicose pós-parto, o que as levou a se confessar culpadas, muitas vezes com o medo de que o sistema patriarcal acabasse levando seus filhos. Esta perspectiva, que mistura o passado histórico com as dificuldades modernas das mulheres, resulta em uma reflexão que amplia a opressão feminina e a invisibilidade dos distúrbios de saúde mental femininos.

A Psicose Pós-Parto: A Realidade de Sankey

Embora o filme ofereça uma exploração mais ampla de questões históricas e culturais, é a experiência pessoal de Sankey com a psicose pós-parto que realmente se destaca como o coração do documentário. Ela descreve os pensamentos intrusivos e o medo aterrador de que poderia prejudicar seu filho logo após o parto, uma situação que a levou a buscar ajuda em um hospital psiquiátrico. O filme relata como as mães com o mesmo diagnóstico tinham seus bebês acompanhando-as durante o tratamento, o que não apenas possibilitava uma ligação afetiva com a criança, mas também ajudava na recuperação emocional.

Um ponto central do filme é a diferença entre psicose pós-parto e outros tipos de distúrbios mentais, já que a psicose após o parto se manifesta de forma rápida e intensa, muitas vezes exacerbada pelas mudanças hormonais e pelo cansaço da maternidade. Sankey nos leva a refletir sobre o medo e a vergonha que muitas mulheres sentem, temendo ser julgadas por não viver a experiência perfeita da maternidade que a sociedade espera delas.

O Impacto Transformador da Solidariedade Feminina

Uma das partes mais emocionantes de "Witches" é quando Sankey compartilha a solidariedade que encontrou ao se conectar com outras mulheres que haviam enfrentado experiências semelhantes. A troca de histórias e o apoio mútuo se mostram como um ponto de transformação pessoal fundamental para sua recuperação. Em uma das cenas mais tocantes, uma médica especializada em distúrbios pós-parto revela como, mesmo sendo uma profissional da saúde, ela teve suas próprias dúvidas e diagnósticos descreditados pelos colegas. Essa troca de experiências se torna um catalisador importante para Sankey, reforçando a ideia de que é necessário um diálogo mais aberto sobre a saúde mental feminina para promover mudanças significativas no tratamento e na compreensão dos distúrbios pós-parto.

Desmistificando o Estigma e Exigindo Mudanças

Sankey também aborda o avanço nas políticas de saúde mental no Reino Unido, especialmente após a tragédia amplamente divulgada de uma mãe que matou a si mesma e ao filho. Ela é clara ao afirmar que, embora algumas mudanças tenham ocorrido, ainda há um longo caminho a percorrer para que as mulheres recebam o tratamento adequado e o apoio necessário. Em um tom urgente e provocador, o filme chama a atenção para a importância de conversas abertas sobre as dificuldades emocionais das mulheres, especialmente as novas mães, que muitas vezes se sentem isoladas e sem recursos diante das exigências sociais.

O Desafio da História: As Bruxas e a Censura Feminina

Um dos aspectos mais fascinantes de "Witches" é como Sankey conecta o medo de mulheres poderosas com a censura histórica das mesmas. Ela questiona por que tantas mulheres acusadas de bruxaria "confessaram" seus crimes, sugerindo que muitas delas poderiam ter sido vítimas de psicose pós-parto ou outros distúrbios mentais. A relação entre as bruxas históricas e as mulheres com distúrbios mentais modernos é um ponto-chave do filme, que argumenta que o medo do poder feminino e a necessidade de controle sobre as mulheres sempre estiveram presentes na história.

A Personalidade do Filme: O Poder da Narrativa Pessoal

Embora os argumentos políticos e as referências históricas sejam certamente provocativos, é a história pessoal de Sankey que deixa a maior impressão. Sua jornada de recuperação e seu desejo de dar voz a outras mulheres que passaram por experiências semelhantes fazem do filme uma reflexão poderosa e comovente sobre a maternidade, o estigma e a saúde mental. Ao misturar momentos emocionais com uma crítica contundente, "Witches" se torna não apenas um documentário sobre saúde mental, mas também um manifesto político que desafia normas e expectativas sociais.

Uma Reflexão Necessária Sobre Saúde Mental e Feminismo

"Witches" é um filme essencial para refletir sobre como a sociedade lida com a saúde mental feminina, especialmente em momentos de transição como a maternidade. Elizabeth Sankey, com uma abordagem íntima e envolvente, coloca o pessoal no centro do político, utilizando sua própria experiência para abrir um debate sobre o cuidado, o estigma e as expectativas que cercam as mulheres. Combinando história, cultura e uma narrativa pessoal profundamente tocante, o documentário se estabelece como uma obra de relevância crítica na luta pela valorização da saúde mental feminina e pela mudança de normas sociais.

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