Let This One Be A Devil é uma das edições de estreia mais emocionantes do ano, marcando um grande feito nas histórias de horror e quadrinhos góticos, com um trabalho impressionante da equipe criativa composta por James Tynion IV, Steve Foxe, Piotr Kowalski, Brad Simpson, e Tom Napolitano. A série mistura alta estranheza, ficção histórica e mitologia rural, criando um conto que se mantém tanto perturbador quanto fascinante.
Um Começo Fascinante
A primeira edição de Let This One Be A Devil tem um início envolvente, estabelecendo um ambiente que é tanto misterioso quanto ameaçador. O enredo se passa em 1909, e nos apresenta à família Naughton, que vive uma experiência traumática quando sua fazenda é atacada por um predador desconhecido. O protagonista, Henry Naughton, volta de uma longa estadia no exterior, apenas para descobrir que o que estava matando suas galinhas não era uma simples raposa, mas algo muito mais sombrio e estranho.
Este acontecimento serve como o estopim para a narrativa, mas o verdadeiro motor da história é o conflito interno de Henry. Ele se encontra em um ponto crítico em sua vida, sendo visto como fraco e incapaz pela família e pela comunidade. Tendo abandonado a vida na fazenda para estudar, Henry se sente alienado e inadequado. A relação tensa com sua família — especialmente com seu irmão — e a desconfiança de seus vizinhos criam um cenário dramático, onde ele é forçado a confrontar sua própria identidade e o monstro que está assombrando sua fazenda.
O Conflito Interior de Henry
Henry, como protagonista, é uma figura intrigante. Ele não é o típico herói corajoso das lendas urbanas. Em vez disso, ele é consciente de suas limitações e da maneira como é visto pelos outros. Seu desejo de provar a si mesmo, longe de ser uma busca por heroísmo, é mais uma tentativa de encontrar algum tipo de redenção e pertencimento. Ele busca respostas sobre o monstro que aterroriza sua fazenda, o temido Diabo de Leeds, e, ao longo da história, sua rejeição das normas familiares revela uma crise existencial mais profunda. A tentativa de lidar com o mistério da criatura e o desejo de sobreviver àquela realidade brutal o levam a uma jornada de autodescoberta, onde o horror sobrenatural se mistura com as tensões da vida cotidiana e os conflitos familiares.
O Diabo de Leeds e a Mitologia Criptídica
Na segunda metade da edição, o enredo se desloca para 1735, oferecendo um conto de origem para o Diabo de Jersey. Os fãs de lendas urbanas certamente reconhecerão elementos do folclore clássico do Diabo de Leeds, mas a narrativa de Tynion e Foxe vai além ao fundir diversas versões dessa lenda em uma mitologia mais unificada. A sequência de 1735 é visceral e intensa, com o pai da criatura horrorizado pela quantidade de sangue durante o nascimento de seu filho, dando início a uma história de mistério e terror. A narrativa aqui também é sombria, com gritos de agonia e desespero, refletindo o caos e o sofrimento de uma tragédia irreversível.
A fusão das duas linhas do tempo — a de Henry em 1909 e a do nascimento do Diabo em 1735 — cria um contraste fascinante e vai gerar, sem dúvida, um ponto de interseção empolgante nas futuras edições.
Arte, Cores e Atmosfera
As ilustrações de Piotr Kowalski são um dos maiores atrativos de Let This One Be A Devil. Elas são tanto realistas quanto oníricas, capturando a atmosfera tensa e inquietante da história. A paleta de cores de Brad Simpson ajuda a intensificar essa atmosfera, com uma predominância de tons escuros e sombrios nas cenas mais dramáticas, enquanto os momentos de tensão sobrenatural são destacados com cores mais vibrantes. O uso de cores, ou a falta delas, é uma técnica poderosa que ajuda a marcar a transição entre os tempos e realçar os momentos de grande impacto emocional e visual.
A tipografia de Tom Napolitano é igualmente eficaz, com as onomatopeias quase incorporadas à própria madeira da cabana onde a família Naughton vive, criando uma sensação de revestimento emocional. O som das batidas, gritos e lamentos parece ser parte da própria substância do lugar, intensificando o aspecto visceral do horror.
A História de Backup: "Shattered and Shook"
Além da trama principal, a edição traz uma história adicional, intitulada "Shattered and Shook", de Rachel Deering, Jesse Lonergan e Aditya Bidikar. Esta história de backup, contada em um formato preto e branco, explora uma família assombrada pela crença de que seu membro mais novo está possuído por um espírito maligno ou até pelo próprio Diabo. O conto é curto, eficaz e impactante, usando layouts de página de espelhos rachados, que simbolizam a fragmentação da sanidade e da realidade. O ritmo da narrativa, junto com o estilo visual de Lonergan, cria uma atmosfera de desespero e distorção psicológica, lembrando a ideia de uma história de arquivo de caso verdadeiro.
Uma Obra Fascinante
Let This One Be A Devil não é apenas uma história de terror, mas também uma profunda reflexão sobre identidade, família e lenda popular. Ao explorar uma lenda famosa, Tynion e Foxe nos entregam uma versão profundamente humana e emocional do mito do Diabo de Leeds, que não só explora o sobrenatural, mas também o desespero humano e os conflitos internos de seus personagens.
Com arte poderosa, personagens complexos e uma mitologia fascinante, a edição promete ser uma das mais memoráveis do ano. Se você é fã de folclore, mitologia urbana e horror psicológico, este quadrinho certamente será uma leitura essencial.