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Vermiglio (2024) - Crítica

 "Vermiglio": Uma Obra Cinemática de Maura Delpero que Retrata a Vida Rústica nos Alpes Italianos

A diretora italiana Maura Delpero entrega um trabalho cinematográfico silenciosamente arrebatador em Vermiglio, que revela uma visão única da vida rural nos Alpes Italianos. O filme se inicia com detalhes minuciosos que transmitem o peso da vida cotidiana em uma região remota e esquecida pela história, especialmente quando o contexto global da Segunda Guerra Mundial se faz presente apenas de forma abstrata. Este distanciamento de eventos internacionais confere um tom de introspecção e resiliência, onde o verdadeiro trabalho é o de cultivar relações familiares e enfrentar os desafios diários.

A Montanha Como Personagem Central: A Imensidão da Natureza e o Cotidiano

A primeira impressão ao assistir Vermiglio é a grandiosidade do cenário natural. A câmera austera de Mikhail Krichman captura a vastidão dos Alpes, onde as montanhas se erguem como uma presença imponente que determina a vida da comunidade. As montanhas, para os habitantes dessa região, não são apenas um pano de fundo, mas o começo e o fim de tudo. Elas são, em certo sentido, o "amém" de cada oração, o centro de suas vidas. A vida cotidiana, marcada pela dureza do inverno e pela solidariedade da comunidade, é uma luta constante contra os elementos da natureza, uma luta pela sobrevivência.

O filme de Delpero se passa em uma pequena aldeia montanhosa, onde o cotidiano de uma família, no seio de sua simplicidade, se torna um retrato vívido da vida nas áreas rurais italianas. A abertura do filme, com a descrição de uma casa simples, onde os filhos dormem aglomerados, prepara o terreno para o desenvolvimento do enredo. Lucia, a filha mais velha, começa seu dia com a ordenha da vaca, e o simples gesto de encostar o rosto na pele morna do animal cria uma sensação quase mística de conexão com a natureza e com a vida que os rodeia.

A Vida Familiar e o Patriarca Cesare: A Figura de Autoridade e o Conflito Generacional

No centro da vida familiar está Cesare, o pai, interpretado por Tommaso Ragno. Ele é o patriarca austero e, ao mesmo tempo, afetuoso, responsável pelo sustento e pela educação dos filhos. Sua autoridade é indiscutível, e ele mantém uma escola de uma única sala, onde seus filhos, independentemente da idade, são ensinados nas mesmas lições. A rígida figura paterna e o seu método de ensino são elementos centrais na narrativa do filme, e revelam uma relação complexa com os filhos, especialmente com o filho mais velho, Dino (Patrick Gardner), que demonstra ressentimento e frustração com a imposição de seu pai.

Ao longo do filme, a tensão entre pai e filho cresce, enquanto outros personagens, como Virginia, a vizinha sedutora, trazem uma energia diferente ao cotidiano da aldeia, criando momentos de confusão sexual e revelando diferentes facetas das relações interpessoais entre os habitantes.

Lucia e Pietro: O Romance Simples e Profundo

Um dos pontos centrais do filme é o romance discreto entre Lucia (Martina Scrinzi) e Pietro (Giuseppe De Domenico), um soldado siciliano que desertou da guerra e se escondeu na aldeia. O relacionamento entre os dois é contado através de olhares furtivos, trocas de bilhetes e toques tímidos. A escrita de Pietro, um jovem que fala um dialeto diferente, tem um charme simples e poético, capturando a essência de um amor ingênuo e delicado. Esta história de amor proibido e o contraste com a dureza da vida nos Alpes cria uma das maiores tensões emocionais do filme.

Ao mesmo tempo, os homens mais velhos da aldeia se envolvem em discussões sobre a moralidade de esconder o desertor, com um deles declarando que “desertores são nada mais do que covardes”, enquanto Cesare responde calmamente: “Se ao menos todos fossem covardes, não haveria guerra”. Este diálogo sublinha a natureza paradoxal de uma comunidade onde o moralismo e a resistência se entrelaçam, e as escolhas individuais são muitas vezes moldadas pela moral coletiva.

O Elemento Sobrenatural e a Tragédia de Uma Família

A edição de Luca Mattei é minimalista e precisa, criando um ritmo que é tanto contemplativo quanto impactante. A transição delicada entre cenas do cotidiano e momentos de tragédia é notável, como quando vemos Adele, a mãe (Roberta Rovelli), cuidando de seu filho doente com supersticiosas folhas de repolho, uma imagem que antecipa a morte iminente do pequeno. A morte da criança é tratada com uma simplesza angustiante, evidenciada na mudança do cenário, enquanto o foco retorna à figura materna, já grávida novamente, que carrega a dor de uma perda de forma silenciosa.

Essa abordagem contida e quase austera da dor é um reflexo da própria vida nas montanhas, onde a tragédia é uma parte esperada da existência e, assim, tratada com uma resignação silenciosa. Vermiglio aborda essas perdas com uma sutileza emocional, sem se entregar ao melodrama, permitindo que a dor se manifeste nas ações cotidianas e nas escolhas que os personagens fazem.

A Influência do Passado e o Segredo da Família

Vermiglio se passa no passado, mas a maneira como a história é contada faz com que pareça um segredo de família sendo revelado no presente. Através de uma perspectiva quase divina, o filme oferece um vislumbre das vidas das mães, irmãs e filhas, cujos segredos e experiências são passados através das gerações e guardados pelas imponentes montanhas. Há uma sensação de continuidade que transcende o tempo e conecta as mulheres da família, transmitindo a ideia de que as escolhas e experiências do passado nunca ficam completamente enterradas.

A produção de Vermiglio é rica em detalhes, desde os trajes simples, cuidadosamente desenhados por Andrea Cavalletto, até a música minimalista de Matteo Franceschini, que utiliza o piano como base para uma partitura que é tanto melancólica quanto vibrante. A restrição emocional de Delpero em sua abordagem do filme transmite a sensação de que o mundo dos personagens é um espaço de contato direto com o essencial, onde a beleza está nas pequenas coisas e onde o silêncio muitas vezes fala mais alto do que as palavras.

 Uma Reflexão Profunda Sobre a Vida, a Morte e a Família

Em última análise, Vermiglio é uma obra cinematográfica que não apenas explora a vida nas montanhas italianas, mas também faz uma reflexão profunda sobre a vida, a morte e os laços familiares. A história de Lucia e sua família se desenrola como um retrato intimista e meticuloso de uma comunidade onde cada gesto, cada decisão, está imbuído de uma história coletiva e de uma conexão profunda com a natureza e o passado. O filme é, em muitos aspectos, uma meditação sobre a existência humana em um mundo imenso e impiedoso, onde a beleza e a dor coexistem, onde o silêncio é mais eloquente do que qualquer palavra.

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