“American Primeval”: Uma Representação Brutal e Cativante do Velho Oeste Americano
A série limitada da Netflix, “American Primeval”, escrita por Mark L. Smith—o roteirista de O Regresso—leva os espectadores a uma jornada implacável pelas duras realidades do século XIX na América. Ambientada no Território de Utah, em 1857, essa série de seis episódios traz à vida um mundo marcado pela violência, medo e desespero. “American Primeval” não é simplesmente um Western tradicional; é uma exploração multifacetada das dinâmicas brutais entre pioneiros, povos indígenas, mórmons e militares americanos, todos lutando pela sobrevivência em uma paisagem implacável. A série apresenta uma representação vívida de uma nação ainda presa à violência que definiu grande parte de sua expansão.
O Cenário: Uma América Volátil e Selvagem
No centro de “American Primeval” está um período de grande turbulência no Oeste Americano: a Guerra de Utah. Esse conflito sangrento ocorre entre os colonos mórmons, liderados pelo governador de Utah Brigham Young, e o Exército dos Estados Unidos. Essa guerra serve como pano de fundo para a narrativa central da série, que começa com Sara Rowell (Betty Gilpin) e seu filho Devin (Preston Mota). Os dois chegam a uma estação de trem, longe de sua casa na Filadélfia, com a esperança de seguir para Crook Springs, Califórnia, para se reunir com o pai de Devin. No entanto, eles chegam com três semanas de atraso e descobrem que o escolta planejado já partiu, deixando-os sozinhos e vulneráveis em um mundo cheio de perigos.
A Jornada Perigosa: A Luta de Sara Rowell pela Sobrevivência
A jornada de Sara é marcada por determinação e coragem. Após não encontrar ninguém disposto a acompanhá-la até a Califórnia, apesar de oferecer uma generosa recompensa, ela é forçada a fazer uma aliança com Isaac Reed (Taylor Kitsch), uma figura reclusa que vive nos arredores de Fort Bridger. Isaac, um homem de poucas palavras e profundo conhecimento da perigosa paisagem, é inicialmente relutante em ajudar, mas a crescente ameaça de perigo os obriga a se unir e seguir juntos.
Os elementos implacáveis da região, incluindo montanhas cobertas de neve, vida selvagem hostil e o conflito crescente entre os mórmons e a tribo Shoshone, tornam a jornada ainda mais perigosa. A série utiliza magistralmente planos de rastreamento e cinematografia em ângulos baixos para criar uma sensação de imersão, enfatizando a natureza implacável do Velho Oeste Americano e a crueldade que cerca Sara e Isaac. Cada cena é meticulosamente trabalhada, desde o sangue derramado após animais serem despedaçados até o ambiente sufocante e implacável que os desafia a todo momento. É uma representação brutal, mas bela, de uma cultura presa à violência e ao colonialismo.
Personagens Complexos e Suas Motivações
Embora a jornada de Sara seja o foco central da narrativa, “American Primeval” entrelaça outras histórias que aprofundam a complexidade do mundo que retrata. Uma das figuras mais proeminentes é Brigham Young (Kim Coates), cuja ambição implacável e vingativa o leva a não medir esforços para estabelecer um espaço seguro para os mórmons no meio da guerra. A série também apresenta o casal Pratt, Jacob (Dane DeHaan) e Abish Pratt (Saura Lightfoot Leon), recém-casados e viajando para Salt Lake City. Suas interações com Sara e Devin destacam o perigo constante do ambiente, bem como o desejo humano de sobrevivência.
A série também apresenta uma visão fascinante sobre a tribo Shoshone, cujos membros foram devastados pelos colonizadores e pela crescente violência dos mórmons e do Exército dos EUA. Red Feather (Derek Hinkey), líder de uma facção mais radical dos Shoshone, embarca em uma missão vingativa contra os mórmons e os soldados do exército, buscando justiça pelos crimes cometidos contra seu povo. Julie O’Keefe, chefe do Departamento Cultural Indígena, garante que a representação das tribos indígenas seja profunda e autêntica, destacando as diferenças nas perspectivas e abordagens de sobrevivência entre os Paiutes e os Shoshone.
As Lutas das Mulheres em um Mundo Dominado por Homens
Um dos aspectos mais envolventes de “American Primeval” é sua exploração da difícil situação das mulheres no Velho Oeste Americano. Tradicionalmente, os Westerns são contados a partir da perspectiva masculina, e essas perspectivas estão evidentes na série. No entanto, “American Primeval” desloca a lente para colocar Sara Rowell no centro da narrativa, ao lado de outras personagens femininas como Abish, forçada a casar-se com Jacob após a morte de sua irmã, e Two Moons (Shawnee Pourier), uma menina indígena não verbal.
A série destaca as formas como o destino das mulheres muitas vezes é ditado pelos caprichos e desejos dos homens ao seu redor. Embora a série não mostre explicitamente a ameaça constante de violência sexual, a tensão subjacente e a vulnerabilidade das mulheres nesse mundo implacável são sempre presentes. Ao focar nas experiências femininas, “American Primeval” desafia os tropes tradicionais do Western e enfatiza o papel profundo e muitas vezes trágico que as mulheres desempenharam na formação do cenário histórico e cultural da época.
Uma Paisagem Implacável: A Realidade da Sobrevivência
Além de seu desenvolvimento de personagens ricos, “American Primeval” também funciona como uma exploração da natureza violenta e implacável da fronteira americana. Este não é apenas um lugar de perigo físico, mas uma terra onde o colonialismo, o capitalismo e a violência se cruzam, deixando uma marca indelével em todos os envolvidos. As ações dos vários grupos—seja os mórmons, o Exército dos EUA ou as tribos indígenas—são todas moldadas pelo desejo de sobreviver e assegurar o controle sobre este território. A série sublinha o fato de que, para muitos, civilização e os civilizados raramente ocupam o mesmo espaço.
Uma História com Ramificações Duradouras
Os eventos de “American Primeval” se desenrolam em um curto período de duas semanas, mas as implicações das ações dos personagens ecoam muito além desse breve intervalo. A série captura as dores do parto de uma nação que está tentando se definir—uma era ainda crua com as dores do crescimento de um país jovem. Embora a série ofereça várias perspectivas, muitas das vozes dos desprivilegiados permanecem silenciadas, e a verdadeira escala da violência infligida às populações indígenas permanece amplamente enterrada na história. Em última análise, “American Primeval” é um lembrete de que o passado ecoa no presente, e as lutas daqueles que viviam e se moviam pelo território de Utah continuam a moldar a América moderna.
Um Western Cativante e Visceral
“American Primeval” é um Western poderoso e imersivo que desafia as convenções tradicionais do gênero, ao mesmo tempo em que oferece uma exploração emocionante e profunda da violência e da luta pela sobrevivência no Velho Oeste Americano do meio do século XIX. Com um mundo meticulosamente trabalhado, personagens multidimensionais e uma representação implacável da realidade da fronteira, essa série se destaca como uma reinterpretação moderna do Western. Dirigida por Peter Berg e com um elenco excepcional, incluindo Taylor Kitsch, Betty Gilpin e Dane DeHaan, “American Primeval” promete deixar uma impressão duradoura no público e provocar reflexões sobre o legado brutal da fronteira americana.
Esta não é apenas uma história de sobrevivência; é uma história sobre como o Velho Oeste Americano foi construído nas costas daqueles que lutaram, sofreram e sobreviveram em um mundo que muitas vezes parecia indiferente ao seu sofrimento.