Come Ahead - Primal Scream - Crítica

 Primal Scream: A Incômoda Inconsistência de "Come Ahead" e a Ascensão e Queda de uma Lenda

O nome Primal Scream carrega uma mistura de fascínio e frustração entre seus fãs. A banda foi uma das mais inovadoras da cena britânica nos anos 90, especialmente com seu disco seminal Screamadelica (1991), uma fusão de indie rock, psicodelia e dance music que parecia estar à frente de seu tempo. Mas, ao longo dos anos, a trajetória do grupo se tornou uma verdadeira montanha-russa, com lançamentos irregulares e uma série de decisões criativas que confundem até mesmo os fãs mais devotados. O mais recente exemplo disso é o álbum Come Ahead, que, apesar de ser nomeado sob a bandeira do Primal Scream, reflete uma banda em crise, mais interessada em autoexposição do que na invenção sonora que a tornou famosa.



A Decadência Criativa e a Busca por Redenção

Nos anos seguintes a Screamadelica, o Primal Scream foi marcado por uma sucessão de álbuns desiguais, com alguns momentos brilhantes e outros bem abaixo do esperado. Em 1994, a banda tentou seguir o sucesso de Screamadelica com Give Out But Don’t Give Up, um álbum que foi amplamente criticado por sua regressão estilística e excesso de baladas sem a energia e inovação que marcaram seu trabalho anterior. O mesmo poderia ser dito sobre sua abordagem ao vivo: enquanto alguns shows eram memoráveis e energéticos, outros eram desastrosos, com Bobby Gillespie, o vocalista, causando frustração no público e nos críticos com suas atitudes indiferentes.

A verdade é que, ao longo dos anos, os momentos mais notáveis do Primal Scream nem sempre envolviam Gillespie em primeiro plano. Em álbuns como Vanishing Point (1997) e XTRMNTR (2000), a banda foi mais bem-sucedida quando Gillespie estava mais ausente, deixando a música brilhar em seu próprio mérito. Não era raro que longos trechos instrumentais, muitas vezes mais eletrônicos e experimentais, fossem mais impactantes do que a própria voz de Gillespie, cuja habilidade vocal sempre foi limitada e, muitas vezes, perdida em meio à experimentação sonora.

"Come Ahead": Um Passo Para Trás?

Com Come Ahead, Primal Scream volta ao palco com um álbum que, para muitos, pode ser considerado uma tentativa desesperada de reviver sua antiga glória. O álbum começou como um projeto solo de Bobby Gillespie, mas eventualmente se transformou em um disco do Primal Scream quando ele pediu a Andrew Innes, o único membro original remanescente da formação de 1987, para tocar algumas guitarras. A mudança no processo criativo da banda reflete um ponto crítico de sua trajetória: ao contrário de álbuns anteriores, onde a música era criada coletivamente, desta vez Gillespie começou com suas próprias letras e, em seguida, construiu a música ao redor delas. O problema? A música não parece ter a força ou a inovação dos trabalhos anteriores, e as letras, por sua vez, caem em uma superfície de clichês e pontuações rasas.

O Fraco Desempenho de Bobby Gillespie como Cantor

Uma das maiores surpresas de Come Ahead é a tentativa de Bobby Gillespie de se reinventar como um crooner de torch music. Após o fracasso de Utopian Ashes (2021), um álbum de dueto com a vocalista do Savages, Jehnny Beth, onde tentaram se aproximar de um estilo mais introspectivo e melodioso, Gillespie agora insiste em seu papel de vocalista em uma linha mais suave e melancólica. O problema é que seu característico arrasto vocal—com sua voz arrastada e sem muita modulação—não é suficientemente forte ou convincente para sustentar as canções mais lentas e emocionais do disco. Isso é especialmente evidente em faixas como “Melancholy Man”, onde suas letras de "poesia de ensino médio" soam forçadas e desinteressantes, sem nenhuma profundidade emocional real. O resultado é um “pop triste” que falha em criar a conexão que deveria, mais parecendo uma paródia do próprio gênero.

Os Pontos Fracos: A Repetição e a Falta de Originalidade

Em termos de produção, Come Ahead traz de volta o produtor David Holmes, que trabalhou em alguns dos melhores momentos do Primal Scream, incluindo o excelente XTRMNTR (2000). Mas mesmo a experiência de Holmes não consegue salvar o álbum da sua mediocridade. As faixas estão repletas de imitações fracas do som funk e disco dos anos 70, com guitarras no estilo Chic e baixos brancos e sem sexo, acompanhados de madeiras de fácil escuta e cordas que parecem mais apropriadas para um evento de música ambiente em Ibiza do que para uma banda que um dia foi um ícone da cena alternativa. O álbum também carece de energia e urgência, características que foram fundamentais para o sucesso do Primal Scream no passado.

As primeiras faixas do álbum não apresentam nada novo, com o coral gospel sendo uma tentativa desesperada de trazer algum peso às canções sem realmente adicionar qualquer substância. O single "Love Insurrection", com seu ritmo repetitivo e melodia mínima, parece ter sido impulsionado mais pela força dos coros do que pela qualidade das próprias composições. A sensação de falta de originalidade se mantém ao longo de quase todo o álbum, onde o uso de recursos fáceis, como arranjos com cordas e linhas de baixo genéricas, agrava ainda mais a falta de frescor.

A Politização e a Crítica Social: Uma Abordagem Superficial

As letras de Gillespie, ao longo do álbum, tentam engajar temas políticos e sociais, mas falham em transmitir qualquer nova perspectiva ou insight. Faixas como “Innocent Money” e “Deep Dark Waters” tentam abordar questões como a pobreza e as falhas do neoliberalismo, mas as análises são rasas, como se Gillespie estivesse apenas declarando o óbvio. A linha "A economia do trickle-down não ajuda os mais pobres" é um exemplo claro de uma mensagem banal que não chega a ser impactante. A tentativa de falar sobre neoliberalismo e questões de guerra em faixas como “Deep Dark Waters” também cai em clichês fáceis, como referências à Segunda Guerra Mundial e neoliberalismo, sem oferecer qualquer nova reflexão. A crítica social se torna um acessório vazio, sem a profundidade necessária para se destacar.

Conclusão: A Falta de Inspiração e a Realidade do Declínio

Come Ahead é mais um exemplo da inconsistência que sempre marcou a carreira do Primal Scream. De uma banda que, no início dos anos 90, parecia estar à frente de seu tempo, ela agora se encontra em um ponto de regressão criativa, tentando reviver glórias passadas sem encontrar um novo rumo. Bobby Gillespie, embora ainda uma figura carismática, não consegue mais carregar a banda nas costas como fez em seus melhores dias. Ao invés de inovar, Come Ahead parece um álbum de auto-citação, onde as velhas ideias do Primal Scream são reprocessadas sem a mesma energia e relevância de antes. A tentativa de renovação através de uma abordagem mais introspectiva e suave não é suficiente para disfarçar a falta de inspiração e originalidade que permeia o disco.

Se Screamadelica era a banda empurrando os limites da música alternativa e se XTRMNTR era um grito de rebeldia e urgência, Come Ahead é uma tentativa hesitante de se reconectar com algo que já se perdeu. E, infelizmente, para os fãs de longa data, o álbum só serve para confirmar que o Primal Scream agora faz parte da triste categoria de bandas que tiveram um grande começo, mas perderam o caminho ao longo dos anos.

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