Marighella é um filme brasileiro de 2021 dirigido por Wagner Moura, baseado na vida de Carlos Marighella. O filme, adaptado da biografia Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo de Mário Magalhães, é o primeiro de Moura como diretor e conta com Seu Jorge como protagonista. Ele estrearia nos cinemas brasileiros em 20 de novembro de 2019, dia nacional da Consciência Negra, porém, foi adiado para 2020 devido a problemas com a Agência Nacional do Cinema.Foi lançado nos cinemas pela Paris Filmes e Downtown Filmes em 4 de novembro de 2021, no aniversário de 52 anos da morte de Marighella.
Ano 1969. Marighella não tinha tempo para ter medo. Por um lado, uma violenta ditadura militar. Por outro, uma esquerda intimidada. Ao lado, revolucionários 30 anos mais jovens que ele e dispostos a lutar, o líder revolucionário optou pela ação. Em Marighella, o inimigo número um do Brasil tenta articular uma resistência o tempo todo, expulsando os crimes hediondos de tortura e a infame censura instituída pelo regime opressivo. Em um confronto radical, ele luta por um povo cujo apoio é incerto - o tempo todo tentando manter a promessa de se reunir com seu filho - de quem ele se distanciou para proteger a democracia.
Dirigido por Wagner Moura, Marighella narra os últimos anos de Carlos Marighella (Seu Jorge), um revolucionário marxista que liderou uma luta armada contra a ditadura militar brasileira na década de 1960. Originalmente lançado em 2019 em circuitos europeus, o longa teve seu lançamento adiado no Brasil, por motivos de censura ainda não exatamente claros, e posteriormente adiado novamente por causa da pandemia, além de ter sido sabotado na métrica do IMDb e causado alvoroço em debates políticos, principalmente por grupos de extrema-direita que condenam a obra por supostamente defender um terrorista — curioso como o rebuliço começou antes mesmo das pessoas sequer verem o filme, não?
Explosivo, polêmico e produto de uma série de dificuldades advindas da estrutura precarizada da produção de audiovisual brasileira, a película de Moura traz personagens estruturalmente complexos, a começar pelo protagonista, Carlos Marighella, estrelado pelo ator e cantor Seu Jorge. Indagado sobre o motivo de ter escolhido um “não ator” para estrear o longa, Moura relata que Seu Jorge é um artista completo. “ Ele é a pessoa mais talentosa que eu já conheci. Eu nunca vi uma pessoa tão abençoada com talento quanto ele”, afirmou o diretor durante entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura.
Explicando de maneira simples, a polêmica ocorre em relação ao contexto histórico conturbado e cheio de narrativas diferentes que circundam o trajeto revolucionário de Marighella. Seria ele um guerrilheiro lutando contra a ditadura e a opressão ou um terrorista lutando contra a revolução anti-comunista liderada pelos militares? A verdade é que Marighella é uma figura contraditória em ambas as situações. Sofreu terror, e, por isso, causou terror. E a cinebiografia de Moura, baseado no livro Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, do jornalista Mário Magalhães, que segue seus 4 últimos anos de vida, começando por sua violenta prisão, em maio de 1964, até seu assassinato em 1969, nunca realmente nega a ambiguidade do personagem titular.
Com movimentos de câmera inquietos, Moura revela que dirigiu o longa como ele gosta de ser dirigido: sem muitas posições de enquadramento, buscando respeitar o fluxo da cena, sem muitas interrupções. “É claramente um filme dirigido por um ator (…). Eu poucas vezes ficava no monitor e sim com eles, ali dentro da cena, tomado pela mesma energia que contagiava os atores”, relatou. Isso faz com que a fotografia esteja sempre muito próxima dos atores em cena, quase como se fosse o próprio Wagner Moura dentro do filme.
Importante ressaltar que, a despeito do contexto histórico e político, Marighella não é um documentário. Parece meio óbvio dizer isso, mas é surpreendente como um grande número de pessoas não sabem diferenciar ficcionalização de fatos reais com documentação de acontecimentos. Vide a própria mudança étnica do personagem, interpretado aqui por Seu Jorge, um homem negro, enquanto Marighella era branco. A escolha, que em nada impacta o retrato da figura real, é feita de maneira autoconsciente para utilizar a cinebiografia do revolucionário para também discutir racismo. Dessa forma, o pano de fundo é, sim, de suma importância ao longa, mas apenas para podermos contextualizar historicamente o passado de Marighella dentro da proposta fílmica da direção de Wagner Moura.
Além da atuação potente de Seu Jorge, o filme também entrega atuações viscerais com destaque para Bruno Gagliasso, no papel de delegado Lúcio, e Humberto Carrão, como guerrilheiro mais radical do grupo de Marighella. Adriana Esteves, mesmo com pouco tempo de cena, fica gigante ao viver a mulher de Carlos Marighella, Clara Charf, cuja escolha foi a de não seguir o marido na luta armada contra a ditadura militar. Destaque interessante sobre o personagem de Gagliasso é que, ao contrário de Marighella, o delegado Lúcio aparece desprovido de profundidade, representando o próprio sistema opressor golpista, sem caráter, racista e sádico.
Para dar maior substância ao conflito dos revolucionários, o roteiro se respalda no citado campo familiar, com a montagem pontualmente inserindo momentos particulares do grupo com mães, pais, cônjuges, filhos e filhas, para que nos simpatizemos com o protagonista, seus seguidores e sua causa. Falta uma certa sensibilidade dramática de Moura e do roteiro nessas cenas mais particulares, com muitas delas acontecendo com diálogos pobres e melodramáticos e a imagem genérica na interação parental – a exceção seria um momento poético à la Moonlight de Marighella e seu filho no mar. Em contrapartida, o diretor se resolve muito bem no retrato antagônico da ditadura, com Bruno Gagliasso simplesmente fantástico no papel, personificando os piores excessos de um regime autoritário; bruto, torturador e censurador, sempre acompanhado de seu esquadrão morte. Moura, bem parecido com seu colega José Padilha, não se abstêm de expor a violência, com o longa compilando muitas sequências visceralmente perturbadoras.
O filme sofreu censura pelo órgão que mais deveria apoiar produções nacionais, a Ancine. Segundo o diretor, o filme foi contemplado com o Fundo para Complementação de Produção e não recebeu a verba. “Isso aconteceu em um momento em que o Governo Federal falava abertamente em filtragem de conteúdo”, denunciou Moura.
Mesmo com todas as dificuldades durante e após a montagem do filme, Moura insistiu que o longa-metragem fosse exibido nas salas de cinema brasileiras e não em streaming. De fato, Marighella é um filme que precisa ser assistido nas telonas e pelo maior número de telespectadores possível. A película é, por si só, um ato de resistência ao momento atual em que o país vive, sob o governo ultra conservador e com tendências fascistas. Um governo que se elegeu com o apoio de uma classe média hipócrita, racista, homofóbica e que faz qualquer coisa para permanecer com privilégios burgueses. Mas ainda há os que resistem como Moura e como tantos outros dentro e fora da esfera cultural. Não à toa que, ao final do longa, houve aplausos e sonoros “Fora Bolsonaro!” dentro da sala de cinema.
Contudo, Marighella carece de uma visão retrospectiva histórica mais ambivalente, focando pesadamente na luta do seu anti-herói carismático, cujo legado complicado é tanto celebrado como luta contra o autoritarismo quanto problematizado moralmente, mas nunca totalmente examinado politicamente e historicamente. Isso, como eu disse, parte da proposta familiar e de thriller de Moura, mas, como o filme carrega uma carga ideológica muita grande, ver todo o pano de fundo ideológico do comunismo, democracia, as sujeiras políticas e os jogos governamentais resignados a pequenos diálogos, assim como situações narrativas importantes se resolvendo em elipse, como as viagens de Marighella a Cuba e o sequestro de um chanceler americano, diminuem o peso cinebiográfico do estudo de personagem, conforme seu período e entorno são pouco contextualizados para além da violência.
Aliás, pouco vemos do Marighella líder ideológico, revolucionário, discursador político e radical, e sim mais seu lado paizão e figura trágica nas mãos de um sistema podre. Até mesmo seus seguidores são mais proativos que o protagonista. Há o que se gostar nesse lado moralmente íntimo do longa e na chocante experiência de thriller de gato-e-rato contra a ditadura, mas, ironicamente, Marighella é muito passivo em seu discurso e retrato político.
O filme atraiu controvérsias políticas. De acordo com a crítica do Hollywood Reporter, "Wagner Moura apresenta o personagem de Marighella como um herói e mártir da democracia e dos valores liberais, embora, na realidade, Marighella fosse um marxista de extrema-esquerda", e que "Nos padrões atuais, muitos o considerariam um terrorista". Além disso, a etnia de Marighella também foi debatida. No filme, Moura o retrata como um negro, o que levou a diversas críticas de simpatizantes da direita, pois, apesar de ter mãe negra da etnia Hauçá, o pai de Marighella era italiano.