Pinóquio [Matteo Garrone] (2019) - Crítica

 Pinocchio é um filme italiano do gênero fantasia de 2019, dirigido, corroteirizado e coproduzido por Matteo Garrone. É baseado no romance As Aventuras de Pinóquio, escrito por Carlo Collodi e publicado em 1883. O filme é estrelado por Federico Ielapi como Pinocchio, Roberto Benigni como Geppetto, Gigi Proietti como Mangiafuoco, Rocco Papaleo e Massimo Ceccherini como, respectivamente, o Gato e a Raposa, e Marine Vacth como a Blue Fairy. Foi neste filme que ocorreu a última aparição de Gigi Proietti antes de sua morte, em novembro de 2020. O filme foi lançado na Itália em 19 de dezembro de 2019, pela 01 Distribution (RAI), e arrecadou 15 milhões de euros no mercado interno, tornando-se o filme de maior bilheteria da semana de Natal na Itália, assim como o filme de maior bilheteria de Garrone no mercado italiano (superando Gomorrah, de 2008), e o sexto filme de maior bilheteria na Itália de 2019-20. Uma versão dublada em inglês foi lançada pela Vertigo Films no Reino Unido e Irlanda em 14 de agosto de 2020, e pela Roadside Attractions nos Estados Unidos e Canadá em 25 de dezembro de 2020.

Apesar de ser muito bonito, bem dirigido, com um roteiro excelente e conter uma fotografia prazerosa, o filme se mostra densamente enfadonho em muitas de suas cenas, vagaroso, lento, num ritmo fílmico que se estende por duas horas entre cenas magicamente envolventes, mas também cansativas. O filme – que abre uma sequência de lançamentos sobre o boneco de madeira que sairão em breve, com a animação do Guillermo Del Toro (O Labirinto do Fauno, A Forma da Água) para a Netflix, e uma produção de Robert Zemeckis para a Disney – compõe-se incontestavelmente de uma belíssima cinematografia, e é excelente pela parte técnica, mas parece cambaleante no ritmo fílmico, que oscila entre grandes momentos e momentos infinitamente enfadonhos. 


Geppetto, um humilde carpinteiro italiano, ao assistir o teatro de fantoches de Mangiafuoco, decide construir uma marionete de madeira para que possa percorrer o país e melhorar suas condições de vida. Ele visita Mastro Ciliegia, um amigo, pedindo-lhe um pedaço de madeira para que confecione a marionete. Ciliegia atende o pedido de Geppetto, que começa a construir a marionte, que ele dá o nome de Pinocchio. Durante a confecção, Geppetto percebe que Pinóquio é um boneco dotado de vida e passa a tratá-lo como um filho. Agora que Pinocchio tem um corpo, ele foge de casa e Geppetto vai a sua procura na cidade. O colega de quarto de Geppetto, um Grilo Falante de cem anos, tenta ajudar Pinocchio dando-lhe conselhos, mas o boneco, por considerá-lo irritante, atira-lhe um martelo para que o Grilo se cale.

A montagem é de Marco Spoletini, frequente colaborador de Garrone, e determinados momentos podem gerar cansaço no espectador, devido à pouca ação entre os atos. Por outro lado, o longa chama a atenção pela fotografia de Nicolai Brüel (que trabalhou com Garrone em “Dogman”), que faz bom proveito da luz em suas várias nuances, principalmente nas cenas da Fada Azul (interpretada pela francesa Marine Vacth, de “Jovem e Bela” e “O Amante Duplo”). A trilha sonora também é uma marca importante, assinada por Dario Marianelli (vencedor do Oscar por “Desejo e Reparação”). A música torna o longa mais intimista e acolhedor, contrastando com as dificuldades vividas por Pinóquio durante sua jornada.

No live-action de Pinóquio, somos apresentados à verdade sombria por trás de um clássico que marcou gerações. O solitário marceneiro Gepeto (Roberto Benigni) tem o grande desejo de ser pai, e deseja que Pinóquio (Federico Ielapi), o boneco de madeira que acabou de construir, ganhe vida. Seu pedido é atendido, mas a desobediência do jovem brinquedo faz com que ele se perca de casa e embarque em uma jornada repleta de mistérios e seres mágicos, que o levará a conhecer de fato os perigos do mundo. Se pensar do ponto de vista de que a obra se constitui a todo instante flertando com os aspectos, nem sempre fáceis, do real e não do imaginário, então, de fato, é uma obra sombria, porque a realidade é sombria, obscura. A escolha da paleta do filme é pensada para construir justamente este aspecto estilístico que o longa busca, sempre trazendo tons amadeirados, quase barrocos, soturnos, afastando-se de qualquer coloração mais positiva. A propósito, a direção de arte deste filme produz algo esteticamente impecável. As cenas no arado, a árvore de moedas, a própria caracterização de Pinóquio, os fantoches do teatro, são todos momentos em que certamente sabe-se que houve um maior capricho em suas produções. Um exemplo muito evidente do cuidado com a arte do filme se dá no momento em que Geppetto está criando Pinocchio. A cena da criação é um dos pontos mais altos do filme, pois, ao esculpir o seu pedaço de madeira “inanimado”, Geppetto sente, pela primeira vez, o coração de Pinocchio bater, numa obra ainda inacabada. Logo após o feito, o plano se abre do lado de fora de casa, numa imagética noturna sublime, com os raios da lua atravessando as nuvens, demonstrando a beleza da criação. Assim como o livro se constitui de imagens extremamente valorizadas, o filme busca o mesmo em seu esteticismo, a começar com a cena de abertura, em plano aberto, num ângulo magnífico e breve da natureza.

As aventuras de Pinóquio só é possível na literatura, pois o saldo para um menino da vida real seria certamente desastroso. E é isso o que ele quer demonstrar. Apenas imagine uma criança solta no mundo nas mãos das pessoas mais maldosas e oportunistas que existem por aí e nada mais precisa ser dito. A direção utiliza-se do filme para mostrar os limites e os perigos do mundo, alegorizando personagens como o Gato, a Raposa e o Grilo, que readaptam arquétipos do mundo real. Neste ponto, o longa dirige-se para o público infantil, mostrando a importância de ir à escola e não ser malcriado. Quando Pinocchio se torna um bom menino, começa ir à escola por intermédio da Fada Azul e passa a ter bons resultados no colégio, o seu grande desejo é realizado: o boneco de madeira torna-se humano. Portanto, crianças, obedeçam seus pais e sigam sempre o caminho correto, pois o tortuoso é sempre o mais difícil, apesar de parecer mais fácil e atraente, e Chapeuzinho Vermelho é o grande exemplo moralizante destes enredos – assim pensa Matteo na camada infantil de seu filme. 

A história de Pinóquio sintetiza a aventura maior da paternidade: educar. A saga do indisciplinado menino de madeira esculpido pelo solitário Geppetto chegou aos cinemas do mundo em 1940 pelos estúdios Disney. Desde então, quase não há quem não conheça a fábula italiana.  

O filme de Matteo Garrone se distancia de qualquer adaptação dos contos clássicos realizados pela industria cinematográfica contemporânea. Em termos de técnica e de construção narrativa, não é um filme “dos nossos tempos”. Tal premissa, no entanto, não é negativa. 

Diante da abundância de remakes com roteiro supérfluo, exagero no CGI e efeitos especiais dispensáveis, Pinóquio (2021) toma a contramão. É um filme de escolhas simples, mas bem executadas. O cenário, de modo geral, valoriza a paisagem italiana. As escolhas das cores frias e monótonas para o vilarejo e as cenas de interior contrastam com os personagens, que possuem existência literalmente fabulosa. 

Em suma, Pinóquio retoma a história atemporal sem necessariamente adaptá-la para o mundo contemporâneo. Certamente, a obra tem seu diferencial e se sobressai no hall das inúmeras releituras dos filmes clássicos. Pinocchio parece-me um filme com boas intenções e acerta mais do que erra na sua proposta adaptativa. Se comparado ao Convenção das Bruxas (Robert Zemeckis, 2020) não há o que reclamar. O argumento é retrabalhado para se adaptar no hoje, à luz da nossa contemporaneidade, e com isso parece ganhar um fôlego, mostrando que a sua trama não faz parte de um tempo determinado, de séculos passados. A direção acredita no seu trabalho e conduz, a partir de uma leitura fiel do texto literário, uma narrativa que se mostra cruel e melancólica, mas que desenha, no pano de fundo de sua criação, os caminhos mágicos da aprendizagem.

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