Inimigo do Estado (1998) - Crítica

 Enemy of the State (Inimigo do Estado) é um filme estadunidense de 1998, dos gêneros ação, espionagem e suspense, dirigido por Tony Scott, produzido por Jerry Bruckheimer e escrito por David Marconi. O filme é estrelado por Will Smith e Gene Hackman, com Jon Voight, Lisa Bonet, Gabriel Byrne, Dan Butler, Loren Dean, Jake Busey, Barry Pepper e Regina King em papéis coadjuvantes. O filme conta a história de um grupo de agentes da NSA conspirando para matar um congressista e a cobertura que se segue depois que uma fita do assassinato é descoberta. 

O filme foi lançado em 20 de novembro de 1998 nos EUA e no exterior. Enemy of State recebeu críticas geralmente positivas de críticos de cinema e público, com muitos elogiando a escrita e a direção, bem como a química entre Smith e Hackman.  Alguns filmes parecidos com Inimigo do Estado: Atirador (2007), Teoria da Conspiração (1997), Controle Absoluto (2008), Três Dias do Condor (1975), O Ultimato Bourne (2007).


O ornitologista Daniel Zavitz flagra o assassinato de um congressista por agentes da National Security Agency. Quando a NSA descobrem, lançam uma perseguição a Zavitz, que no percurso encontra um colega de faculdade, o advogado Robert Clayton Dean. Zavitz esconde a fita do crime nas compras de Dean antes de morrer atropelado. Eventualmente a NSA descobre a identidade de Dean, congelando suas contas e espalhando grampos e escutas por suas pertences para rastreá-lo em busca da fita.

Isso, no entanto, não quer dizer que o filme só “funciona” para uma audiência atual. Muito pelo contrário, Inimigo do Estado é um produto do seu tempo, com a tecnologia datada, a conspiração estatal que acompanha Hollywood desde tempos imemoriais e a típica hiperatividade de blockbusters dos anos 90 – especialmente energética nas mãos do sempre acelerado Tony Scott. De certa forma, essa situação específica do filme também demonstra como a crítica e a experiência do crítico são produtos do seu tempo (dadas as devidas contextualizações), algo que muitas pessoas falham em perceber. Se eu tivesse assistido o longa em 1998, poderia facilmente ter me interessado pelo thriller e a técnica de Scott, mas o filme certamente não teria ganhado a dimensão pelo contexto de temor tecnológico que vivemos atualmente.

E isso tudo é mérito do roteiro inteligente e da ótima direção de Tony Scott. O cineasta capta a paranoia e a espreita do Estado em cada momento da fita: filmagens de satélites, câmeras de vigilância, dispositivos de escuta, grampos telefônicos, pesquisas de banco de dados, tomadas áreas e constantes zoom-ins em placas de carro, rostos e locações. Existe uma cena em que um agente (interpretado por Jack Black, em início de carreira) está fazendo uma busca no computador, e Scott fica indo e vindo do aparelho para o rosto do personagem para o teclado e assim por diante (cabendo destaque a montagem frenética, sempre com cortes rápidos e abruptos). É uma cena que ilustra como até em momentos ordinários, Scott não se abstém da imagem continuamente vibrante e acelerada, usando e abusando de câmera trêmula e viradas bruscas para criar um thriller totalmente hiperativo, dinamizando o sufocamento da paranoia com seu ritmo agitado.

O roteiro é lento até a metade do filme, demora para desenhar o cenário e apresentar os personagens. Da metade em diante o filme realmente começa e o ritmo a partir deste ponto é frenético. Não faltam informações para acompanhar o raciocínio linear. A leitura possível é sobre os limites da segurança em detrimento da liberdade, mas a forma como é apresentado não é nem um pouco honesto.

Há marxismo cultural pesado neste filme:

  • O congressista liberal que está contra a vigilância é dos democratas.
  • O chefe do sindicado é racista e italiano. O terrível homem branco ocidental odiado pela esquerda.
  • O jornalista que vai salvar o dia se chama “Lenin”, é ativista-pacifista e escreve para jornais de esquerda.
  • O agente do FBI se chama “Führer”, numa clara alusão a Hitler.
  • O casamento é primitivo – diz uma vendedora ao personagem Robert. É Marcuse puro.
  • Direitistas são maus.
  • Judeus são mau caráter.
  • EUA são acusados de ajudar o Oriente Médio contra a União Soviética.
  • Brill declara usa táticas de guerrilha comunista contra o FBI.

Nada disto é por acaso, estas informações estão declaradas e registradas nas falas dos personagens no próprio filme.

A fotografia é boa, inclusive as cenas de ação são exemplares com tomadas de câmera velozes e apenas cortes necessários. A música é o clássico orquestrado que apenas informa o estado de espírito, mas não emociona. A edição é competente e precisa, mas não faz milagre pois apenas a fotografia colabora.

Também vemos isso na narrativa imparável, saltando de uma fuga para outra sem momentos de respiro. Dean é mais um vírus a ser abatido no sistema do que um ser humano (o tratamento robótico e a falta de empatia da equipe técnica pontua isso muito bem), sempre em movimento e sempre perseguido por cada cantinho artificial do seu ambiente. Essa cadência acaba mudando com a inserção de Edward Lyle (Gene Hackman) na narrativa. Um veterano e especialista no combate tecnológico, o personagem de Hackman é uma espécie de fio condutor para o contra-ataque de Dean, também funcionando como esclarecedor desse ambiente – além de também ser uma ponta metalinguística, fazendo um paralelo com o especialista em escutas que Hackman interpreta em A Conversação. É nesse segundo ato que o filme perde um pouco da força, focando menos no thriller e mais na dinâmica de Dean e Lyle – muito boa, diga-se de passagem -, roubando um pouco da experiência sufocante do longa (mais drama familiar, sequências calmas de conversação e desenvolvimento batido do rebelde vs estado).

A produção contou com um orçamento de US$ 90 milhões e alcançou uma bilheteria de US$ 250 milhões que não chega a ser alta, mas é razoável. O filme foi indicado a 21 prêmios dos quais ganhou 5. Ainda assim, Inimigo do Estado consegue manter o ritmo paranoico intrigante até o desfecho que desnuda a hipocrisia estatal com muita inteligência e ironia. A tal invasão da privacidade em prol da “segurança nacional” é colocada em xeque no ato final que expõe a implosão do Estado, com órgãos e poderes (até criminosos, como no uso da máfia) se engolindo e se esquivando da própria tecnologia, usando segurança para justificar queima de arquivo e controle. A divertida frase da personagem de Regina King declara muito bem o subtexto crítico do filme: “e quem vai monitorar os monitores dos monitores?“. Scott constrói um filme em que a falta de segurança está em todo lugar e a observação é constante. Uma experiência frenética, ágil e sufocante, Inimigo do Estado é, além de tudo, muito relevante para nosso contexto atual.

1 Comentários

  1. Olá. Adorei. Existe uma teoria ou movimento que acredita que muito do que a NOM executa hoje já havia sido mostrada antes nos filmes? Poderias me ajudar com essa informação?

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